sexta-feira, 27 de julho de 2012

A ENCOMENDA




Supermercado. Super. Super fila única para o caixa rápido para consumidores de até 20 volumes. Uma única fila de caixa rápido para 20 volumes e 12 caixas preferenciais vazios. Não sou cliente preferencial. Pego a fila do caixa rápido. Seis pessoas a minha frente. Na minha mão uma garrafa de vinho tinto seco. R$ 11.90. Tenho R$12.00. Na verdade nem são meus. Foi uma encomenda. Um favor prestado. Eu não vou beber o vinho, nem comer o queijo. Deixei os palitos de dente na prateleira do mercado. Preferi trazer o vinho. O painel chama gradativamente os consumidores, um a um para os caixas. Cola atrás de mim um ser. Camisa de botão e calça social. Nas mãos um pacotinho de Ruffles Original tamanho pequeno. A fila demora. Ele se inquieta e começa a massagear o pacotinho. O barulho me irrita. A sinfonia do painel e do pacotinho massageado. Ele insiste. Dou uma olhada pra trás e meço a figura da cabeça aos pés. Ele distante, massageia o pacotinho incessantemente com um olhar apaixonado, como quem tenta desnudar seu pré jantar. Meu nível de irritação aumenta. O painel apita. Um passo a frente. Ele cola novamente atrás de mim. Massageia, massageia... Ergo a garrafa de vinho na altura da cabeça dele e solto em volume máximo: "PORRA! "RUFFLES ORIGINAL"???? TAMANHO PEQUENO? CARALHO!!!! SE PELO MENOS FOSSE "RUFFLES SALSA E CEBOLA" TAMANHO GRANDE ... ARGH!!!! QUE IRRITANTE!". 
Acho que preciso trepar.


Paula Miasato 

domingo, 22 de julho de 2012

De Chaleira: ECO

De Chaleira: ECO: Eco Por Paula Miasato Sou poeta de um poema só. De um tema só. De um corpo só. De várias palavras E uma só interpretaç...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Cafeinômetro: Amor CU

Cafeinômetro: Amor CU: autor desconhecido - Dar o cu dói? Dói. Então é a mesma coisa... - Ah! Mas o que isso tem haver? Na hora que esta tudo dentro e e...

quinta-feira, 12 de julho de 2012



A boca:
orifício molhado
por onde se entra.
Vão que se cala
na hora do beijo.
Fissura macia,
e que convida.
É como a vagina,
quente e molhada,
engole e mastiga.
A boca é maldita.
É como a mulher:
É feminina
pela gramática
e pelo ofício.
A boca meu caro,
É anjo no cio.


Paula Miasato




O QUE FICOU GUARDADO




Hoje eu já não calo mais o que ficou guardado. Nem guardo mais o que ficou calado. Hoje eu desconfio do seguro e confio na instabilidade. Pego o abstrato e admiro o concreto. Não me aproximo, porém invado. Sinto uma falsa saudade de alguns falsos amigos. Digo verdades e aponto o dedo na cara de gente mentirosa. Como brigadeiro. Fumo cigarro de filtro vermelho. Trepo sem camisinha. Esqueço meu passado e só lembro do teu. Continuo a sentir enjôo. Sinto cheiro de mijo pelas ruas da cidade que pensa que é viva, mas está morta. Ouço o Vassalo. Sinto dores. Recebo cura. Minha gata preta continua ao meu lado. Está gorda. Bebo café Moóca, é melhor que o Melitta. Não te reconheço. Uso vestidos discretos. Não lembro como era o teu pau. Não sinto vergonha de mim. Sinto vergonha do que está a minha volta. Não conto mais histórias. As vezes bebo cerveja, depois me arrependo. Mijo.   É uma forma de compensação. Gosto de olhos negros. Tenho dez unhas em duas mãos, cada uma delas tem um tamanho diferente. São como meus neurônios. Faço barulho e mando o vizinho tomar no cu, na porta da casa dele. Recebo pratos de comida por baixo da porta como um presidiário. Serviço público. Não sinto orgulho da  minha vida profissional, mas vou viver uma velhice feliz. Pinto quadros. Jogo no lixo. Escrevo livros. Jogo no lixo. Não leio o que escrevo. Gosto cru. Hoje não calo o que ficou guardado. Não guardo o que ficou calado. Não acredito em verdades, nem em olhos bonitos, nem em sorrisos medíocres. Eu não sinto falta, sinto excesso.


Paula Miasato


EU
NÃO
PERTENÇO
A
ESSE
MUNDO.
PRAZER:
SOU
O
ET
DE
VARGINHA.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

TEMPESTADE




Eu quase sempre vejo o dia amanhecer, mas hoje eu o vi após um sono, o que é raro. 
O comum na minha rotina é assistir o nascer da manhã azul marinho na companhia dele. Companhia que segue a noite acordada comigo junto ao café, suco, bolo, cigarros e muito papo e assim as horas se vão rápidamente e acontece de vermos o dia nascer num plano de fundo azul marinho. Só então vamos pra cama. Juntos.
Hoje foi diferente. Vi o sol nascer após o sono, deixei ele na cama, nu, corpo quente, deitado, num semi sono e com um meio sorriso nos lábios após dizer "eu te amo".
Agora o sol se faz morno e a luminosidade é perfeita. Não incomoda.
Vim escrever. Hoje ele entende essas minhas saídas da cama, já não me pede pra ficar em seu ombro por querer meu cheiro por perto, assim como está passando a entender meus silêncios, meus segredos e desejos mais íntimos. Se contenta com nosso cheiro misturado no lençol e isso se faz suficiente pra dar continuidade a seu semi sono tranquilo, sempre depois de dizer que me ama.
Não sou poeta, nunca fui. Não sei esculpir palavras de forma a dar-lhes formato, cheiro e sentido poético. Nunca fui poeta e eu bem queria esculpir uma poesia pra ele, uma poesia que conseguisse descrever ao menos parte da beleza dos nossos dias e noites, das nossas semi mortes quando dentro um do outro, um poesia com o cheiro do nosso sexo e com a temperatura exata das nossas peles quando coladas, mas acho mesmo que se até hoje ainda não conseguimos definir ao certo o que acontece quando a gente se gruda, seria praticamente impossível transformar isso em poesia. 
Ele faz relações matemáticas pra tentar se aproximar de uma explicação plausível. "Assíntota" foi o termo explicativo mais aproximado, mas ainda não satisfeito, continua a filosofar matematicamente sobre o assunto. Ele é um músico matemático. Eu tento escrever, mas sempre escrevo sobre nossas sextas feiras o que o deixa muito irritado, pois as sextas, a seu ver, são dele. Sim, ele é egoísta. Eu também e por isso sinto as sextas muito minhas. É o desequilíbrio do equilibrista na corda bamba. Sabe aquela "bambeada"que ele dá com o guarda chuva na mão ao andar pelo estreito fio? Essa mesma. Bambeia, chacoalha o guarda chuva e logo volta ao equilíbrio. O guarda chuva é o nosso amor. O que faz com que o equilibrista retome o equilíbrio e prossiga na corda bamba. Nunca há aplausos no final, ao contrário do show do artista assim como ao contrário do que deveria. O amor incomoda. E eu apenas lamento por isso, não me surpreendo mais.
Voltei ao quarto, peguei um cigarro dele, filtro vermelho, forte, lá no criado mudo. O meu acabou. Lhe dei um beijo e pude perceber que a minha ausência na cama ainda o incomoda, embora ele não mais a questione.
Eu gosto dessas pequenas coisas que compoem o cotidiano. Pequenos trejeitos, quase que imperceptíveis aos outros, perceptíveis somente a nós, no nosso mundo.
Eu gosto do cheiro do suor do batalhão de soldados misturado ao ácido da concha, cheiro que impregna no lençol e me nos traz um sono tranquilo. Gosto da temperatura, textura e gosto da boca dele (desde a primeira vez...), gosto da lança afiada e firme que abre as portas para o outro plano (nosso plano), onde não há cenário de fundo, nem céu, nem chão. Gosto dessa amálgama onde nossas almas de fundem sem se fundir (mais uma tentativa frustrada de explicação de um matemático). Contradição. Absurdo.
Gosto daqueles olhos tristonhos, muito mais do que dos longos cílios que o contornam (gosto do jeito que me olham e do jeito que piscam quando filosofa matematicamente sobre nós). 
Gosto do contraste da pele branca com o cabelo preto. Gosto ainda mais do cheiro, que me excita e me descontrola.  Eu "viro bicho"(sou bicho...), felina de fogo, mais uma tentativa dele de explicação para algo sem explicação. Muito aproximada. 
Eu cheiro, lambo, me lambuzo, salivo, me ponho de quatro e ele "vira bixo". Sempre foi assim. Enfia a língua em meus orifícios melados e entra sem pedir licença. Invade."Vira bixo". Faz amor como homem apaixonado, fode que nem "bixo". Diz que me ama e me chama de gostosa. E eu sei que sou. Amada e gostosa. Ele fica puto.
A música que cantamos juntos nessa hora incomoda os vizinhos, mas a gente "vai embora", nem percebe e que se foda. Rimos disso.
Ele se desmancha em cima e dentro de mim. Derrete. Eu acho lindo. Tenho espasmos. Não sinto minhas pernas. Demoro a voltar. Ele também. Assíntota. Amálgama.
Não gostamos de gente. Não gostamos de gente perto da gente. Não queremos o mal de ninguém, nem do Vassalo. Só queremos terra, mato, flores e o silêncio da música do nosso canto e da sua viola. Café e cigarros sempre.
Estamos construindo nosso muro de pedra. Muro de arrimo que circunda e não permite que o que é nosso se esparrame e se contamine, muro de arrimo de onde poderemos ver, sós, pelo lado de dentro, protegidos e isolados, o por e nascer do sol.

Paula Miasato